terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

memória de nossa aldeia

A Cidade de Olhos d’Água
Segundo a memória coletiva local, a comunidade surgiu de uma promessa
religiosa, feita por uma moradora da região, de construir uma capela em homenagem a Santo
Antônio de Pádua. Em torno da pequena igreja, fundada em 1941 em terras doadas por dois
cunhados fazendeiros, cresceu o povoado de Santo Antônio de Olhos d`Água.
As terras doadas foram repartidas pela igreja em pequenos lotes, que eram
vendidos a quem quisesse ali se estabelecer. O modelo de arquitetura das casas veio pelas
mãos dos mestres de construção de Corumbá de Goiás, que conservaram as mesmas
características das antigas casas da região, dando a impressão de ser Olhos d`Água mais
antiga do que aparenta. As matérias-primas utilizadas foram, basicamente, adobe, madeiras do
cerrado e telhas de barro, fabricadas pelos próprios habitantes.
Os homens trabalhavam como meeiros para os fazendeiros da região.
Plantavam
milho, feijão, arroz e mandioca e mantinham pequenas criações. Alem disso, produziam, para
seu uso, utensílios de barro, como panelas, potes e artigos de tecelagem.
Com o isolamento do povoado, a população criou um modo de vida próprio. Era
auto-suficiente em gêneros de primeira necessidade, fiava e tecia sua roupa e fazia seus
utensílios – gamelas, colheres de pau e cestas. O contato com outras comunidades se dava por
intermédio de viajantes e mascates, que traziam o que não se encontrava ali. Para conseguir o
sal, era preciso desbravar o sertão de Goiás e de Minas Gerais até o Triângulo Mineiro.
Nas longas viagens em carro de boi, os mascates escoavam o excedente da
produção e adquiriam algumas pequenas encomendas especiais para as famílias mais
abastadas, como sapatos ou algum corte de tecido fino.
AsAs Festas. Além da festa de Santo Antônio, com as tradicionais quermesses,
leilões, batizados, casamentos e a Folia de Reis, o principal evento religioso da região, desde a
sua fundação, é a Festa do Divino: comemoração de origem portuguesa e açoriana, que festeja
a vinda do Espírito Santo, cinqüenta dias depois da Páscoa, na Festa de Pentecostes.
No final do mês de maio e início de junho, os foliões percorrem as casas da região
pedindo pouso. Por sua vez, os moradores e seus vizinhos aguardam ansiosos a chegada do
alferes, que, acompanhado de um grupo de violeiros, caixeiros, sanfoneiros e foliões, conduz
de casa em casa a bandeira vermelha com a pomba branca, simbolizando o Divino Espirito
Santo.
Dessa festa também fazem parte a reza do terço, as cantorias religiosas, a dança
do chá e a dança da catira. A alegria é tanta que a confraternização pede comida farta, e é
distribuída em abundância para homenagear o Espírito Santo, fonte de amor e prosperidade.
A proximidade de Brasília e Goiânia estimulou boa parte da população a migrar
em busca de emprego, tendo essas cidades exercido forte influência na cultura local e alterado
hábitos e costumes.
O Artesanato e o Resgate. A mudança da capital para o interior do Brasil fez
com que Olhos d’Água perdesse a condição de sede do município. Então, a cidade entrou em
decadência. Como disse dona Joaquina de Paiva: “as pessoas estavam muito desanimadas,
sem estímulo, não faziam nada; era só roça”.
O artesanato que existia naquela época era aquele produzido pelos mais velhos,
que aprenderam quando crianças, segundo dona Clodilde (Bilu), uma das artesãs mais antigas
da cidade: “Naquele tempo do mundo velho que não tinha nem uma bonequinha nós tinha que
fazer bonequinha de pano, né? Eu aprendi fazer de bucha, palha e fui aprimorando”. Dona
Regina, uma das artesãs da cidade, também aprendeu a fazer boneca de pano quando criança,
para brincar.
Em Olhos d`Água, na década de 1970, dona Laís Aderne e o professor Armando
procuraram resgatar o artesanato local. Nas reuniões da escola, dona Laís descobriu que o
povo daquela comunidade antes produzia tudo de que necessitava; só trazia de fora o sal, que
buscava em Minas Gerais. Quando descobriu isso, ela se assustou e se perguntou: - “Como é
que esse povo está na miséria, passando por privações, sem dinheiro para comprar roupa,
comida e outros gêneros?’’ Nessa época, dona Laís teve seu primeiro contato com a
tecelagem. Ela viu a mãe de seu Armando tecendo e percebeu que tinha de resgatar com as
crianças esse trabalho. Para isso, propôs a primeira reunião com a comunidade.
Começaram, então, a procurar pelas pessoas que detinham esse conhecimento.
Essas pessoas foram localizadas, o conhecimento foi organizado e repassado para as pessoa
mais novas. Isso ocorreu com dona Clodilde, que repassou a arte de fazer bonecas de palha
para sua afilhada, Fatinha, hoje uma das artesãs mais conhecidas de Olhos d’Água.
A tecelagem foi passada de geração a geração e é um trabalho que envolve toda a
família no processo de plantar, colher e fiar o algodão. As crianças são introduzidas nesse
processo de aprendizagem dos saberes tradicionais como parte de suas brincadeiras, tanto no
descaroçamento, quanto na limpeza do algodão. O tingimento é feito com corantes naturais,
tirados de plantas nativas da região.
A primeira exposição ocorreu numa casa que hoje está em ruínas e se localiza em
frente à praça da cidade; a segunda, no salão paroquial de Olhos d`Água. Dona Laís entendeu
que o resgate do artesanato local ocorreria por meio da educação, pois os conhecimentos
seriam repassados dos mais velhos para os mais novos.
A Feira do Troca de Olhos d`Água. A Feira, criada na década de 1970, segundo
dona Laís Aderne, proporcionou o escoamento da produção artesanal. A cidade, em dois
períodos por ano, passou a ser “invadida” por milhares de turistas, que têm levado recursos à
população.
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A vida das pessoas da cidade é transformada, segundo dona Regina, “pois todo
mundo veste e bebe, com o dinheirinho do troca”. Como dona Durvalina, que hoje tem a
família trabalhando com ela e o marido deixou a profissão de pedreiro para se dedicar ao
artesanato.
Dona Laís Aderne, protagonista da criação da feira, teve a idéia quando foi
convidada pelo amigo Tomy Rodson para ajudar na orientação de um curso no Rio de Janeiro.
Nesse curso, ela teve contato com uma professora judia, moradora de Laranjeiras, que teve
uma experiência com crianças. Segundo ela, “as crianças não davam mais bola para seus
brinquedos”. Ela queria que as crianças se envolvessem com os brinquedos que ganhavam e
que, posteriormente, estragavam ou eram jogados fora. Então, ela criou um tipo de troca de
brinquedos, realizada uma vez ao mês, no térreo do prédio onde morava. Segundo ela, essa
troca passou a ser um sucesso, pois as crianças passaram a cuidar melhor dos seus
brinquedos, visando a troca, e tendo sempre um brinquedo novo. Assim, dona Laís teve a
idéia de fazer a “Feira da Gambira”. Imaginando que o povo não saberia o significado do
termo, ela mudou o nome para “Feira do Troca”.
Atualmente, a Feira do Troca é realizada no primeiro domingo de junho e no primeiro de dezembro. No primeiro domingo de junho porque, nesse período, começa o frio.
Como em julho acontece a festa de Santo Antônio, as pessoas certamente comprarm roupas
novas para a festa. A outra ocorre em dezembro, perto do Natal, quando as pessoas compram
presentes para dar aos filhos e também esperam ganhar algo de novo. Logo, a feira é realizada
de seis em seis meses, para dar tempo à comunidade de resgatar os fazeres culturais.
A feira do Troca de Olhos d`Água é realizada em uma praça gramada, cercada por
casas em estilo colonial; a praça possui um coreto de madeira. As ruas calçadas tornam-se
pequenas, porque abrigam, nesse período, milhares de turistas. A feira acontece sempre aos
domingos, mas as pessoas começam a chegar à cidade na sexta-feira. Muitos turistas
procuram um bom local para armar barracas, pois não podem ou não querem gastar com
hospedagem. Na sexta-feira, começam as festas, os shows, os forrós e muitos outros eventos.
No espaço da praça, são acomodados todos os tipos de mercadorias, desde os
produtos mais simples da roça aos importados, que são comercializados pelos camelôs. O
artesanato é o principal produto que a cidade oferece e representa o carro-chefe da feira. Na
Feira do Troca, encontramos artesanato de cerâmica, metal, pano, palha, pedra, etc.
Juntamente com produtos artesanais advindos da roça, notamos que são oferecidas
mercadorias usadas, que as pessoas levam para trocar. É importante ressaltar que essa feira
surgiu de pequenas trocas de roupas, panelas usadas, dentre outros utensílios.
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Laís Aderne, há um projeto para a construção de uma área de camping, pois, caso contrário,
os barraqueiros acabarão com a feira e com o sonho de várias pessoas que dependem dela
para sobreviver. Acampam na praça, tirando o espaço dos artesãos.
O movimento das pessoas na feira é muito diversificado, e nela verificamos a
presença de pessoas de diferentes classes sociais. Juntamente com o homem simples, advindo
da roça, dela participam pessoas com bom nível cultural e, principalmente, jovens.
Observamos, inclusive, a presença de pessoas que consumiam drogas livremente no local.
Mas, em geral, a procura é a mesma: a troca, a compra ou simplesmente o lazer.
A Feira do Troca de Olhos d`Água surgiu quando a população local passou a
trocar o artesanato local produzido na terra por produtos usados. Hoje, a feira trata de um
acontecimento de proteção e divulgação da cultura local; e, ainda, uma das principais formas
de lazer da população e, por isso, se transformou em atração turística. Nesse tipo de feira são
expostos o artesanato nativo e as comidas típicas, e apresentados o Boi d’Água e a Catira. O
Boi d’Água é uma versão do Bumba Meu Boi, encenação criada para ser apresentada no dia;
a Catira é uma dança, e o grupo que a interpreta é de uma cidade vizinha, Abadiânia.
Agradecimentos aos créditos:

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
INSTITUTO DE PRÉ-HISTÓRIA E ANTROPOLOGIA

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